As dissensões pela disputa da ortodoxia da Igreja na Antiguidade

Nos primeiros séculos do cristianismo houve diversas disputas entre redes episcopais nas comunidades cristãs para prevalecer posições dogmáticas hegemonizantes.
Introdução
Desde a tradição pós-apostólica, a ação da Igreja cristã se justificava como meio de combater o que se denominava o mal enraizado entre os humanos devido as suas práticas voluntariamente pecaminosas e salvar as almas dos fieis a fim de garantir a vida pós-morte na eternidade celestial.
Para que o crente obtivesse então a salvação era necessário que ele obedecesse as regras contidas no núcleo duro da doutrina cristã enunciadas pela Igreja. Para tanto, Agostinho de Hipona (354-430), considerado um grande pensador da chamada Patrística, entre outros, discorreu com ênfase sobre o tema da ortodoxia, isto é, o cânon das verdades reveladas por Deus e que seria salvaguardada pela Igreja.
Assim, na esteira de diversas ideias e pensadores da Patrística, as formulações agostinianas forneceram as bases do pensamento Ocidental cristão para compreender e elaborar o que se convencionou chamar de doutrina cristã. Para aquele pensador, a Igreja tornou-se uma instituição privilegiada para propagar a fé cristã entre os chamados pagãos, bem como ser também a depositária da Graça na missão de combater o mal e igualmente de qualquer doutrinada errática que viesse ameaçar as “verdades cristãs”. Diante disso, na tradição da Igreja católica, construiu-se a imagem em Agostinho como “incumbido” da tarefa de enfrentar os discursos supostamente heréticos de movimentos estranhos ao ordenamento cristão.
Neste sentido, nossa comunicação esforça-se em rastrear os discursos legitimadores da “ortodoxia” católica, nesse caso, elencamos Agostinho como um interlocutor desse processo, e também os discursos supostamente ameaçadores, porque eram considerados inválidos para o cerne cristão. Daí, abre-se um tensionamento sobre quem tinha a autorização para chancelar ou deslegitimar tais discursos. Para demonstração desses conflitos e disputas, na diversidade de movimentos que haviam no contexto do século III e IV, trazemos à baila as chamadas heresias do Donatismo e do Pelagianismo, considerados movimentos não-ortodoxos.
Assim, o nosso intento é tentar apresentar um esboço de pesquisa, que está em fase embrionária, cujo objetivo é discutir no âmbito das relações de poder na Antiguidade no contexto da crise do Império Romano, com foco nos conflitos dos diversos partidos que disputavam pela direção da Igreja em razão das várias comunidades cristãs espalhadas principalmente ao longo da bacia mediterrânea. Acreditamos que os novos estudos da História Global[1], tem fornecido novas luzes para pensar as relações políticas no interior do Império romano e as dimensões identitárias das comunidades cristãs que se propagavam no interior e nas franjas do império. Daí, queremos ressaltar um caráter crítico à perspectiva triunfalista sobre os estudos da Igreja bastante presentes em uma certa historiografia eclesiástica.
Para o empreendimento da discussão, as abordagens a partir de Pocock, que chama atenção para os aspectos da linguagem no campo político, podem ajudar a pensar a dinâmica dos contrapontos discursivos em torno de um objetivo a ser atingido no que concerne a instâncias de poder:
Ela [a linguagem] alude a elementos de uma experiência da qual ela provém e com os quais ela torna possível lidar, e de uma linguagem corrente no discurso público de uma sociedade institucional e política, pode-se esperar que ela aluda a instituições, autoridades, valores simbólicos e acontecimentos registrados que ela apresenta como parte da política dessa sociedade e dos quais deriva muito do seu próprio caráter.[2]
Assim, queremos compreender as nuances discursivas em questão entre os grupos que disputavam o poder de controle das enunciações doutrinárias da Igreja e formulação de uma ortodoxia sólida. Segundo Stockmeier; Bauer, ao empregar a noção de “episcopado monárquico”, ajuda a entender as bases de constituição de pequenos núcleos de poder espalhados desde Jerusalém até Roma pelo seu crescente processo de hierarquização nas comunidades cristãs a partir do século II e que com o passar dos séculos se constitui na lógica dos príncipes da Igreja[3]. Não fugiu à regra, os núcleos episcopais espalhados pela África romanizada, onde será o lugar que privilegiaremos nossa investigação a partir do epistolário do bispo africano Agostinho maduro e incardinado como quadro de uma institucionalidade em processo de consolidação.
Ademais, o partido católico, que reuniu diversos agrupamentos de bispos, em nosso entender, teve papel fundamental na consolidação hegemônica dos grupos de episkopoi no interior e nas fronteiras do império. A ação pública dos bispos do partido católico junto a Roma reverberaram mecanismos de controle para sua manutenção de poder e hostilização aos tais grupos heréticos como foi o caso dos bispos donatistas e pelagianos.
Neste sentido, a análise centrará na ideia de pecado postulada por Agostinho como estratégia discursiva do partido católico para realizar os debates travados com o Donatismo e o Pelagianismo, considerados movimentos não ortodoxos, conforme se segue. Portanto, nosso objetivo é tentar tratar do cenário dessas disputas de poder sobre a ortodoxia da Igreja, no período da chamada Antiguidade Tardia, desconstituindo a imagem do “Agostinho combatente” inserindo-o num espectro maior – para além das disputas teológicas –, localizando, segundo a historiografia francesa, um “Agostinho Político” num importante contexto de constituição da doutrina católica na Antiguidade.
Os contrapontos donatistas
A controvérsia contra o Donatismo tem certa peculiaridade, pois não se tratava, à primeira vista, de caso de heresia, mas, de cisma. Em princípio, os donatistas não divergiam dos documentos conciliares e tampouco de posições teológicas. A acusação inicial sobre estes era de que não aceitavam os traditores. Contudo, posteriormente, o discurso tornou-se radical. Eles passaram a reivindicar um extremo estado de pureza dos membros da Igreja para ministrar os ritos sagrados. Neste sentido, a falta de pureza tornava os sacramentos inválidos devido à suposta condição de indignidade resultante de alguma prática pecaminosa do clero.
À luz desta condição, pensá-la como estado de pureza física asseverado pelos donatistas, muito típica do ascetismo radical de grupos dos primeiros séculos, confrontada com a teologia da Graça agostiniana, constitui um ponto interessante para verificar a disputa pela hegemonia do discurso ortodoxo do pecado; isto é, para a Igreja era muito mais cômodo esperar escatologicamente atingir a pureza em um mundo vindouro do que abrir mão de certos privilégios constitutivos do século IV, entre os quais, a estreita relação orgânica com o Estado imperial face às subvenções que os bispos e presbíteros recebiam em suas dioceses e comunidades. A estreita relação com o Império era vista pelos donatistas como forma de continuar a relação de traditor.
A expressão “cisma”, de per si, somente não ajuda a explicar porque eles foram perseguidos pelos católicos, uma vez que as elaborações teológicas da Igreja donatista se constituíram como afronta à doutrina elaborada pelos católicos, que passaram a acusá-los de formuladores de heresias[4]. As questões levantadas por eles foram enfrentadas pela pena do bispo de Hipona, entre as quais, a afirmação de que a Igreja deveria ser “universalmente santa”.
A cristandade sempre buscou imprimir aos cristãos um caráter identitário de santidade: “Portanto, deveis ser santos como o vosso Pai celeste é santo”[5]. Sem dúvida, o objetivo central da Igreja é tornar “santos” os seus seguidores, livrando-os do pecado. Contudo, o que na aparência pareceu expressar o discurso essencial da Igreja, constituiu-se em um problema. Agostinho rebate a afirmação donatista de que a Igreja, sob o ângulo humano, era “universalmente santa”. Neste sentido, para o bispo de Hipona, considerar a Igreja completamente santa no mundo terreno resvalaria em caso de heresia, uma vez que os homens, independentemente de tempo e espaço, na Civitas Terrena, jamais alcançariam a plena pureza, ou seja, a plena santidade. Agostinho procurou refutar as teses donatistas da santidade no mundo terreno dos homens e, de igual modo, dos membros da Igreja.
A controvérsia se aplicava em diversas situações, entre as quais, destacam-se: a) em relação à “santidade do clero”, isto é, dos sacerdotes que ministravam os sacramentos; e, b) em relação aos próprios sacramentos, no tocante à sua validade, ao serem ministrados por “sacerdotes pecadores”.
Agostinho argumenta que a Igreja tem como natureza a santidade porque ela é o corpo de Cristo, comparando-a a sua esposa[6]. Do ponto vista metafísico, o bispo de Hipona expressa claramente que a Igreja é santa, ou seja, a Igreja, no mundo terreno, é uma força conduzida pelo poder divino em relação às instituições humanas, em especial, o Estado[7]. Ademais, Agostinho declara que colocar em evidência que os membros da Igreja não sejam totalmente santos não implica na sua condenação, mas sim, no que tange à defesa da “verdadeira Igreja de Cristo”. A separação entre os justos e os pecadores, no interior da Igreja, somente se realizará na segunda vinda de Cristo[8]. A busca pela santidade, segundo Agostinho, é o exercício que todo cristão deve praticar como medida de evitar o pecado. Tem-se aqui uma representação mais social, isto é, a prática da “santidade” como forma de comportamento para evitar outro comportamento: o do “pecador”. Contrastando os dois modelos, o discurso donatista parte de um princípio político, ou seja, o grupo daqueles que não estão “manchados pelo pecado”, por não aceitarem os traditores. Já Agostinho estrategicamente insiste em um argumento teológico na perspectiva salvífica de Cristo, como forma de dirimir a questão, colocando em discussão que o sacerdote, ontologicamente está contaminado, como de resto, a humanidade, pelo pecado original. Contudo, assevera que o estado de pecado não está associado diretamente à prática social do pecado, e que a ação realizada por ele é mediada pela Teologia da Graça.
O bispo de Hipona também rebate os argumentos tecidos pelos donatistas ao afirmar que eles tinham como objetivo causar confusão nas pessoas. As sentenças proferidas pelos donatistas, embora na trama deles sejam os argumentos para a realização do “cisma”, são “heréticas”. Por exemplo, os donatistas, segundo Agostinho, distorciam a Escritura colocando o que era “bom” como “mau” e vice-versa, conforme se segue:
Quando, portanto, os donatistas interpretam as Escrituras em sentido distorcido, não os torna prejudicial para nós, mas para eles mesmos. Este é caso para anátema: “ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal”. Este texto, em sua opinião, exorta a não tolerar a presença da palha entre o trigo até o momento da triagem. Mas desde que eles interpretam mal o texto: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal”, o verso deles deveria ser completado como: “ai daqueles que perderam a paciência”. Ao entender que estas linhas foram rascunhadas contra quem cometer o mal, porque encontrou um bom do que é mau, ou aqueles que com o seu louvor e seus elogios aprovam os ímpios – dois tipos de pecadores que a Bíblia menciona em uma única etapa, dizendo: porque o pecador é elogiado nos desejos de seu coração, e aqueles que fazem o mal são abençoados – considerarão como corretos; nem iria perturbar mesmo que entre eles estejam os ímpios. De fato, os donatistas, para a alegria de Donato, toleram aqueles que deveriam ter que tolerar a unidade de Cristo. Mas, para a moldagem de obstinação, os miseráveis são obrigados a suportar no seu cisma aqueles que sabem e acusam e aqueles que querem ignorá-la. Portanto, qualquer um que corrige, com injúrias, o que pode ou o que não pode ser corrigido, que exclui, salvando o vínculo da paz, ou o que não pode ser excluído, de acordo com o vínculo da paz, ou repreende e aguenta firme, é um homem de paz, e a partir desta maldição que está escrito: “ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que leve mudança nas trevas, e as trevas em luz; e que trocam o amargo por doce e o doce, por amargo é totalmente livre, totalmente seguro, totalmente estranho”[9]
No que concerne à discussão dos sacramentos, vale destacar uma questão específica relacionada ao sacramento do batismo. Agostinho rebateu com dureza a prática dos donatistas de rebatizarem os cristãos que se convertessem à sua Igreja. Tal prática se constituía como uma agressão ao “verdadeiro” sacramento ministrado pelos católicos[10]. O fato de os donatistas rebatizarem os católicos que se convertessem a sua Igreja era, com efeito, uma forma simbólica de expressar a ruptura com a ortodoxia. E também, conforme acreditavam, porque os sacerdotes deveriam ser “santos” para ministrar os sacramentos, pois, se fosse realizado por um presbítero em estado de pecado, o sacramento não teria eficácia. Agostinho, como resposta à prática batismal dos donatistas, apontava que os sacramentos destes não tinham nenhum valor, sendo válidos somente aqueles que fossem ministrados pela “Igreja de Cristo”. Ao ser ministrado qualquer sacramento na Igreja de Cristo, Agostinho alertava que este valia para a eternidade, não necessitando rebatismo do fiel. O batismo, de fato, representava a unidade da Igreja: “[…] se une apenas em um só batismo, pois há uma Igreja, que por si só é chamada católica”. O bispo de Hipona consolava os pecadores ao afirmar que se estivessem em comunhão com a Igreja, tal ação seria mais propícia à sua salvação do que àqueles supostamente “santos”, que estivessem fora da Igreja. E denunciava que os sacramentos ministrados na Igreja donatista, para perdoar os pecados, não tinham qualquer valor[11].
Para dar mais legitimidade ao seu discurso, Agostinho fez uso dos textos de Cipriano – os quais eram muito explorados pelos donatistas – para refutar as teses dos “hereges”. E novamente insistia no tema da unidade da Igreja. Esforçava-se em convencer os donatistas a reatarem com a Igreja católica. O bispo de Hipona, por exemplo, fez uso de um discurso proferido por Cipriano no Concílio de Cartago, em 256, para afirmar que o real sentido da vida do cristão é estar em comunhão, mantendo a unidade da Igreja. E ainda, que o discurso de Cipriano era mais favorável aos católicos do que aos próprios donatistas, que tanto o invocavam para legitimar o cisma, conforme se segue:
Como voltar a nosso favor, ou seja, de paz com os católicos, as acusações de que o partido de Donato, invocando a autoridade do abençoado Cipriano, lança contra nós tanto quanto eles são contra aqueles por quem eles são citados, eu me propus a provar com a ajuda do Senhor. Agora, se a necessidade de responder leva-me a recordar as ideias apresentadas nos livros anteriores, (embora seja discreto), este não deve ser capaz para aqueles que já têm a leitura e lembre-se, porque, se certa educação verdades essenciais devem ser inculcados mais frequentemente na tarde de espírito, eles, quando são reexaminados e detalhados em seus vários e múltiplos aspectos, também ajudam as pessoas com inteligência mais receptiva a adquirir uma melhor compreensão e para discutir o assunto com maior eloquência. Além disso, faz-se por bem compreender o que incomoda o leitor, quando, diante de um ponto nodal da questão, o livro que em suas mãos foi enviado para procurar a solução para outro, o que talvez não tenha. Portanto, quaisquer que sejam as coisas que disse em outros livros, se a necessidade dos problemas em questão leva-me a repeti-los brevemente, desculpe-me aqueles que sabem para não escandalizar aqueles que não sabem. É preferível oferecer para aqueles que têm a adiar para aqueles que não têm.[12]
Assim, para Agostinho, os cismáticos não tinham nenhuma legitimidade, uma vez que seus discursos eram heréticos e dividiam a Igreja. A partir da premissa de que Cipriano amava a unidade da Igreja e não admitia divisão, aquele pensador reforçava o discurso de “autoridade” de quem teria o poder, de fato, para governar a Igreja católica. Os pecadores – hereges arrependidos –, poderiam retornar para a Igreja, pois era necessária, segundo aquele pensador, a caridade para os arrependidos. Aliás, o discurso da caridade também se expressa na dinâmica da punição aos pecadores de heresia. Caso não quisessem reatar com a “verdadeira” Igreja, Agostinho reconhecia a necessidade da punição. Porém, para que a punição fosse aplicável, era necessária a prática da caridade[13].
Reatar os bispos cismáticos com a Igreja católica parecia ser árdua tarefa para o episcopado africano, capitaneado pelo bispo de Hipona. Não resta dúvida que Agostinho teve influência significativa nesta tentativa de reinserção dos cismáticos e, simultaneamente, de esforço pela extinção do donatismo, como um problema para a unificação da Igreja católica naquela região. Sua liderança expressou-se, sobretudo, nas obras que redigiu para combater o Donatismo, em sua de caráter catequético. Aliás, Bonner explica que Agostinho pregava com frequência por meio dos seus sermões para os fiéis. Assim, procurava buscar ganhar espaço e força popular para enfrentar os donatistas[14].
O debate travado por Agostinho com os donatistas parte da premissa da necessidade da manutenção da unidade da Igreja. O discurso da unidade nos parece evidentemente um recurso importante para a manutenção pelo menos da unidade do episcopado africano sobre o qual ele tinha influência. Para os católicos, à medida que os donatistas rompiam com a unidade desta Igreja africana, causavam “desordem” para a ortodoxia. Portanto, o discurso de Agostinho sobre o pecado, embora seja teológico, apontando para a autoridade de Deus quanto à eficácia dos ritos da Igreja é, por outra lente, um discurso de autoridade quando do esforço em eliminar a divisão[15], ou seja, de discurso cismático, em razão da ruptura dos setores eclesiásticos (os donatistas), passando a constituir-se em herético, o que era considerado como um pecado gravíssimo. Os discursos de Agostinho certamente produziram efeitos, legitimando as intervenções imperais no massacre dos donatistas, seja através de éditos que determinavam a desapropriação de propriedades donatistas, seja através de intervenções militares na repressão dos movimentos radicalizados (os circunceliões, por exemplo). Ademais, possibilitou a legitimação do discurso da salvação, pois, para os cristãos, não havia outro modo de obtê-la sem estar em “comunhão com Roma”, pois a conexão com o bispo de Roma, segundo aquele pensador, era a garantia objetiva da universalidade da Igreja. Além disso, utilizou-se de uma linguagem agressiva contra os donatistas admitindo a possibilidade da violência, ou mesmo da guerra, como meio de combater uma das maiores divisões ocorridas no seio da Igreja. Portanto, ressaltamos a incursão de Agostinho neste debate e, por assim dizer, na construção do discurso autorizado da Igreja Católica, entre o século IV e início do V. Os diversos textos agostinianos elaborados para combater o Donatismo resultaram em importante munição para os católicos na manutenção de sua hegemonia do controle da ortodoxia no referido período e, porque não, da Igreja enquanto instituição.
Os conflitos com o pelagianismo
Na Igreja, os pelagianos eram conhecidos pelo perfeccionismo do corpo e da alma. O lugar de nascimento de Pelágio (350?-428) é incerto e muito discutido pelos historiadores, indicando-se a Bretanha como o mais provável[16]. Homem de inteligência aguda e que detinha muito conhecimento da Bíblia, passou a viver em Roma, de modo austero, no ano 405. A tradição eclesiástica preserva uma percepção cáustica sobre Pelágio, apresentando somente a imagem do “herege”, e “adversário” de Agostinho, destituindo-o de historicidade.
Bonner afirma que a relação entre Agostinho e Pelágio não era tão dura quanto parecia, uma vez que os primeiros contatos entre ambos, ainda na Itália, foram de cordialidade. Pelágio tinha respeito por Agostinho e acompanhava seus sermões e escritos[17]. A polêmica entre os dois teve início quando Pelágio, ao ler as Confissões de Agostinho, teria discordado com veemência do texto: “[…] toda a minha esperança baseia-se na grandeza da tua misericórdia. Concede-me o que me ordenas, e ordena o que quiseres”[18]. Pelágio tinha forte convicção de que o pecado era de autoria plena do homem, tanto na sua prática, como na perspectiva de redimir-se, negando a exclusividade da Graça para salvação. Embora fizesse pregações e escrevesse textos de conteúdo teológico, ele não era presbítero ou tinha qualquer função eclesiástica na Igreja, e sua prática era o asceticismo. Porém, suas pregações, escritos e sermões tiveram muita influência, o que atraiu considerável quantitativo de seguidores[19]. Em Roma, por exemplo, é conhecido o caso da jovem romana Demétria, de ascendência nobre, de grandes posses, que teria se despojado de tudo para seguir a concepção ascética de Pelágio[20].
Em 417, Pelágio partiu para a Palestina, estabelecendo-se na cidade de Belém[21]. Antes de partir, deixou vários discípulos instruídos na sua doutrina, dos quais se destacaram Celéstio e Juliano de Eclano. Também era amigo de Paulino, bispo de Nola[22]. Em Belém, também lá conseguiu atrair seguidores e travava polêmicos debates com outro “Pai da Igreja”, muito conhecido na tradição ocidental: Jerônimo. Os seguidores pelagianos defendiam com fidelidade as teses do mestre. Celéstio, em Cartago, teria aberto “fogo” contra Agostinho, incendiando ainda mais as controvérsias existentes ao afirmar que o pecado era uma prática passível de controle por meio do esforço humano; inspirado no mestre, Celéstio refutava a tese do livre arbítrio de Agostinho[23].
Neste período, Agostinho era bispo de Hipona. Considerava o Pelagianismo um movimento que defendia com argúcia suas teses e que, portanto, não poderia ser menosprezado[24]. A partir do “ataque” de Celestino, Agostinho prestou maior atenção aos escritos pelagianos.
No caso do pecado, em Sobre a natureza, Pelágio afirmava categoricamente que o dogma do livre arbítrio era um absurdo. As passagens bíblicas do Gênesis deviam ser relidas, pois não era possível que o pecado de um ser humano, atavicamente, atravessasse toda a história. Cada indivíduo, necessariamente munido das orientações da Igreja e praticando os exercícios espirituais, de per si, era capaz de “combater” o pecado. E dizia mais: o pecado é um mal possível de ser extirpado pela ação humana, bastando a plena confiança em Cristo, mas uma confiança que não é vertical, de cima para baixo, como a Graça concebida por Agostinho, mas uma confiança que parte do indivíduo na superação do próprio pecado. Para Brown, “[…] o Pelagianismo havia apelado para um tema universal: a necessidade de o indivíduo se definir e sentir-se à vontade para criar seus próprios valores”[25].
É possível perceber uma disputa acirrada nos espaços de poder na Ecclesia entre diversos grupos organizados. Embora a ortodoxia manifestasse certa inquietação pelas ideias pelagianas, é patente a penetração destas em instâncias da Igreja. O Pelagianismo não era uma concepção simplória e esquemática – o que atraía parte do clero. O bispo de Nola, por exemplo, demonstrou simpatia pelas ideias propagadas por este grupo, sem contar que tinha alguma relação de amizade com o próprio Pelágio e seu discípulo Celéstio. Hilário de Poitiers também nutriu alguma afeição pelo Pelagianismo, embora não demonstrasse compreender suas propostas. Em algum momento, travou um debate com Agostinho, discutindo a possibilidade de o homem viver sem pecado[26].
Ademais, ao que tudo indica, o episcopado africano era o que estava mais mobilizado para enfrentar os pelagianos, pois lá estava o principal porta-voz dos católicos: o bispo de Hipona. Já em Roma, o papa não tinha sequer, antes das intervenções do grupo de Agostinho, se manifestado por encíclica ou documento que reprovasse o Pelagianismo. Os esforços de Pelágio e Celéstio não somente atraíram hostes externas como internas à Igreja. Sem contar que a controvérsia pelagiana teve esta característica, pois, diferente do Donatismo, considerado cismático, o Pelagianismo teve maior dificuldade para ser combatido em razão da sua acolhida por quadros da Igreja.
Dessa maneira, diante do Donatismo e do Pelagianismo, Agostinho foi o principal nome de defesa do partido católico, destacando-se como um importante personagem no controle da ortodoxia. A estratégia de utilizar o discurso do pecado como forma de legitimar o controle da ortodoxia foi fundamental, demonstrando, assim, a necessidade da afirmação de um poder central face às comunidades católicas espalhadas em diversos lugares. A Igreja do século IV era muito fracionada em grupos, sobretudo, de bispos – a maioria vinculada à ortodoxia, e outros, minoritários, dissonantes, como, por exemplo, o Donatismo e o Pelagianismo, cada qual com suas especificidades, com o objetivo de mostrar que eram os verdadeiros guardiões da ortodoxia. Já do ponto de vista dos católicos, era fundamental um discurso que explicasse e deslegitimasse aqueles movimentos. E o discurso de Agostinho parece que teve tal propósito. O próprio Agostinho detinha duas condições, constitutivas de sua historicidade, responsáveis por sua incursão nas contendas, isto é, ele era membro efetivo da Igreja, pois era bispo, portanto, detentor do poder do báculo, e era teólogo, detentor do discurso autorizado. Dos diversos discursos entre os partidários da ortodoxia, sem dúvida, o de Agostinho constitui-se de visibilidade para “combater” os contendores. A teologia de Agostinho passou gradativamente a ser instituída como parte da teologia oficial da Igreja em sua época.
Considerações Finais
Pelo exposto, queremos sublinhar que, a relação direta das articulações episcopais, com ênfase no norte africano, entre os séculos IV e início do V, tendo como principal articulador o próprio Agostinho, expressão deste projeto maior de poder, sob os auspícios de Roma, para legitimar a Igreja, mesmo de rebentos pecadores que falavam em nome dela, foi o principal esforço do bispo de Hipona. Assim, a presente comunicação teve por objetivo desvelar retórica do partido católico examinando, dentre vários argumentos, o discurso pecado, em Agostinho, apontando-o como veículo legitimador do poder da hierarquia do episcopado como forma de deslegitimar qualquer grupo que ameaçasse esses grupos episcopais articulados na defesa de uma ortodoxia da Igreja. A Teologia agostiniana, fortemente influenciada pela filosofia neoplatônica, inseriu o credo católico do peccatum originale na História. A própria doutrina do pecado padecia de vários entraves teológicos, à época, para se consolidar como “doutrina eterna” do magistério dos papas. Foi o discurso do pecado de Agostinho que possibilitou que as propostas doutrinárias opostas à hegemonia do partido católico, que marcaram os debates teológicos, fossem consideradas heréticas.
Por conseguinte, analisar um “personagem grande” como Agostinho é sempre motivo para cautela, porque são muitas as leituras e releituras, tornando-o desafiante e instigante. O presente empenho seguramente quis aqui destacar, também, a dimensão de historicidade de um “Agostinho político”, adstrito a um “Agostinho antropológico”, utilizando-se de um discurso moral, mas constituído das circunstâncias que compuseram a Igreja cristã de seu tempo. As possibilidades são diversas, porque embora tenhamos apresentado a dimensão discursiva a partir das historicidades de Agostinho que deram sentido à Igreja, diante de tantos conflitos e discursos, de forma permeada verifica-se ao longo de toda a lógica de argumentação dele no campo teológico um claro aparato discursivo sobre o poder. Este aparato, entre outras estruturas, foi fundamental para contribuir na consolidação da influência político-religiosa do partido católico, cada vez mais configurado na emergência de um papado de natureza centralizada e desdobrada no Mediterrâneo Tardo-Antigo.
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[1] A perspectiva da História Global aqui empregada visa lançar luz sobre os diversos grupos de bispos articulados entre três polos importantes da cristandade ocidental à época, quais sejam, Jerusalém, Itália e Norte africano, como forma de perceber as interconexões políticas realizadas por esses grupos, suas controvérsias, suas táticas e ações com a finalidade de estabelecer o controle sobre esses vários grupos espalhados pela bacia mediterrânica e principalmente desatrelada de uma historiografia eurocêntrica que pensa uma Igreja “pronta”, e que inexoravelmente triunfou sobre o Império Romano. Para maiores informações a respeito da História Global como possibilidade de campo de investigação principalmente em uma temporalidade recuada como a Antiguidade, ver DOUKI, C.; MINARD, P. Histoire globale, histoires connectées: un changement d’échelle historiographique? Revue d’histoire moderne et contemporaine. Berlin. 2007/5 n° 54-4bis. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/25825/RHMC_545_0007%20%281%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 09 jan. 2021. Ver também CONRAD, S. What Is Global History? Princeton: Princeton University Press, 2016.
[2] POCOCK, J. G. A. Linguagens do ideário político. Trad.: Fabio Fernandez. São Paulo: Edusp, 2013, p. 36.
[3] STOCKMEIER, P.; BAUER, J. B. Antiguidade. In: LENZENWEGER, J. et ali. História da Igreja Católica. 2ª ed. Trad. Fredericus Stein. São Paulo: Edições Loyola, 2013, p. 20.
[4] De acordo com Agostinho, havia diferenças entre ambas as expressões, destacando o significado de cada uma delas. Contudo, entendemos que o fato de ser cismático não está desassociado da perspectiva herética, devido à ruptura política causada no interior da Igreja. O fato de se tornar cismático também comete, a reboque, heresia à medida que o grupo provocador do cisma posiciona-se contra a doutrina do grupo dos católicos, representantes naquele momento da ortodoxia.
[5] BÍBLIA, Mateus, 5.48. In: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1712.
[6] SANTO AGOSTINHO. A Doutrina Cristã. Trad. Nair Assis Oliveira. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 64.
[7] Aqui podemos destacar a teoria política de Agostinho quanto ao poder da Igreja e o poder do Estado, em que no mundo ocidental, percebe-se uma ambiguidade em relação à atuação de ambos, uma vez que os interesses eram “comuns”. Ver BURY, J. B. History of the later roman empire from the death of Theodosius I to the death of Justinian. New York: Dover, 1958, pp. 348-388, vol. I. Ver também ARQUILLIÈRE, H.-X. L’Augustinisme politique: essai sur la formation des théories politiques du Moyen Age. 2ª. ed. Paris: Vrin, 1972.
[8] A dimensão escatológica tratada por Agostinho, evocando a metáfora das duas civitas, Jerusalém e Babilônia, é detalhada na sua Teologia da História em De Civitate Dei.
[9] SANCTI AUGUSTINI. Contra Epistolam Parmeniani, II, 2. In: MIGNE, J.-P. Patrologie cursus completus. Paris: Garnier, Migne, 1863. Série latina, Vol. 43, p. 50.
[10] Embora Agostinho admitisse ser inaceitável aos donatistas rebatizarem os católicos convertidos na Igreja donatista, pois estariam cometendo sacrilégio com o sacramento que foi determinado por Cristo na Igreja Católica, por outro turno, Agostinho admitia também a necessidade de rebatizar os fiéis que tivessem sido batizados na Igreja dos “hereges”. Mesmo a prática do rebatismo sendo escândalo e “horror”, ela era necessária, segundo o bispo de Hipona invocando Cipriano, para preservação da unidade da Igreja de Cristo.
[11] SANCTI AUGUSTINI. De Baptismo contra Donatistas. I, 17. In: PETSCHENIG, M. Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum. Vindobonae: Lipsiae, 1908, Vol. 51, pp. 169-170.
[12] Idem. p. 174.
[13] Abre-se aqui uma discussão sobre a questão da punição realizada por instituições tanto pela Igreja como pelo Estado. Há interpretações que admitem que a Inquisição tenha suas raízes em Agostinho por expressar a necessidade de uma pena exemplar para aqueles que ofenderem a Igreja, sendo admissível a prática até mesmo de castigos físicos como forma de arrependimento dos pecados. Por outro lado, há interpretações que apontam na direção de um Agostinho voltado para dimensão caritativa, até mesmo na punição. Quanto ao discurso caritativo, a documentação é bem explícita, sobretudo, na Carta Contra Parmeniano, onde assevera a punição, mas apela para uma “punição caridosa” para o fiel se arrepender autenticamente de seus pecados. Ver HEYKING, J. von. Augustine and Politics as Longing in the World. Columbia: University of Missouri Press, 2001.
[14] BONNER, G. Saint Augustine of Hippo: life and controversies. Norwich: The Canterbury Press, 1986.p. 253
[15] Na verdade, Agostinho formula uma retórica de unidade primeva que se rompe. Mas uma das questões que devem ser aqui destacadas é que a unidade da Igreja era a busca dos católicos, pois, enquanto experiência histórica, ela era caracterizada por comunidades descentralizadas, cada qual com suas práticas costumeiras, estando longe de uma “unidade comum”. LENZENWEGER, J. et ali. op. cit. 3, pp. 15-18.
[16] Alguns trabalhos clássicos sobre a vida e obra de Pelágio são os de PLINVAL, G. de. Pélage: Ses écrits, sa vie et sa réforme. Étude d’histoire littéraire. Lausanne: Payot, 1943; e em língua inglesa de FERGUSON, J. Pelagius: a historical and theological study. Cambridge: Heffer, 1946.
[17] BONNER, G. op. cit., p. 316.
[18] SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante. 4ª Ed. São Paulo: Paulus, 2011, p. 292.
[19] BROWN, P. Santo Agostinho: Uma Biografia. Trad. Vera Ribeiro. 6ª ed. São Paulo: Record, 2011, p. 427.
[20] Idem, p. 425.
[21] BONNER, G. op. cit., p. 329.
[22] Idem, p. 316.
[23] BROWN, P. op. cit., p. 428.
[24] Peter Brown põe em discussão o conceito de Pelagianismo por entender que o movimento não constituía uma singularidade organizativa, fora ou dentro da Igreja, mas um conjunto de elaborações doutrinárias que ganharam ímpeto em razão da conceituação dada por Agostinho e não do próprio Pelágio que não tinha um movimento programático como tal. “Com efeito, o Pelagianismo, tal como o conhecemos – como corpo coerente de ideias e consequências momentosas – ganhou vida, porém, na mente de Agostinho, e não de Pelágio” [grifo do autor]. Ver Idem, p. 430. Bonner, por sua vez, explica que talvez esta tenha sido a primeira vez que tal expressão foi propalada por Jerônimo e Orósio quando ambos estavam em Jerusalém. Lá Pelágio seria acusado de heresia, por suas ideias, e elas foram confirmadas no Concílio de Dióspolis. Ver BONNER, G. Pelagius, pelagianism. In: FITZGERALD, A. D. Augustine through the ages: an Encyclopedia. Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1999, p. 637.
[25] BROWN, P. op. cit., p. 430.
[26]Evidentemente que o ponto nevrálgico do debate entre Hilário e Agostinho era de ordem metafísica, pois, se aquele afirmasse que o homem não nascia com o pecado, poderia negar a tese do atavismo do pecado original tão propalado por Agostinho e ser considerado herege, o que não foi o caso.